quarta-feira, 23 de setembro de 2009

É com muita emoção que posto este texto aqui, do meu querido Dr: de Plantas que Semea Lobato!

Por que ler Monteiro Lobato?
Léo Pires Ferreira*

Monteiro Lobato (18.IV.1882 – 4.VII.1948) disse que "Um país se faz com homens e li¬vros" e nos seus 66 anos de vida escreveu 23 livros da literatura infanto juvenil, sendo o criador e o iniciador desse tipo de literatura no Brasil.
Na quase totalidade das outras obras infanto-juvenís, bem como nas fábulas, tanto de Esopo como de La Fontaine, há sempre o processo maniqueísta de uma dupla, ou seja, o bem (herói ou heroína) versus o mal (vilão ou vilã), como, por exemplo, o Peter Pan e o Capitão Gancho ou a Branca de Neve e a bruxa. Conteúdos que têm a intenção de indicar para as crianças que o bem deve sempre derrotar o mal. Entretanto, em nenhuma das obras infanto-juvenis de Monteiro Lobato, há essas figuras expressadas por um dado personagem. O vilão, ou melhor, a vilã, em todas as estórias de Monteiro Lobato, é sempre a mesma e chama-se ignorância, a qual é sempre derrotada pelo conhecimento, que é o único herói de todas elas.
Cada linha dos textos de Monteiro Lobato vai fazendo com que a criança, ou seja, o seu leitor vá aprendendo a pensar, procedimento que condiciona a formação de jovens e adultos com mais capacidade de raciocínio, formando pessoas com senso crítico e com mais formação em cidadania. Assim, o objetivo do autor, entre outros, estava baseado na verdade de que é necessário saber para crescer, não apenas biologicamente, mas culturalmente.
Outro ponto que ressalta diferença nos livros de Monteiro Lobato, quando comparados com outros livros infantis, é a íntima união entre o real e o imaginário, situação que não causa estranheza nem às crianças que os leem e nem aos adultos. São perfei¬tamente aceitáveis as existências de uma boneca de pano, a Emília, feita pela Tia Nastácia, que fala e é muito esperta e que, na realidade, é o próprio pensamento e pro¬cedimento (alter ego) de Monteiro Lobato e de um boneco feito pelo Pedrinho de um sabugo de milho, o Visconde de Sabugosa, que fala e é um sábio, conhecedor de muita ciência por ter ficado, por algum tempo, junto com os livros nas estantes da biblioteca de Dona Benta, o que ressalta a importância do livro e da leitura.
Nessa união real-imaginário, também há o Faz de Conta da Emília, que o usa quando al¬guma coisa aparentemente difícil ou impossível ou mesmo mais extravagante precisa ser feita ou acontecer. Nas estórias de Monteiro Lobato, não há a varinha de condão, utensílio que as fadas, figuras comuns nas diversas estórias infantis de diversos autores, usam para atender pedidos e necessidades inerentes ao fator lúdico desse ambiente mágico da ilusão. Essa varinha de condão é propriedade de cada fada e, portanto, há as necessidades de se fazer o pedido e de haver a aceitação dessa fada na realização do pedido. Aqui está outro fator importante do tema infanto-juvenil de Monteiro Lobato, ou seja, a liberdade. Usando o faz-de-conta, qualquer pessoa pode ter seus desejos lúdicos satisfeitos, sem pedir nada a ninguém, ou seja, uma modalidade absolutamente livre. Ou seja, “ser núcleo e não cauda de cometa”, “puxar fila e não seguir”.
Outro fator que ressalta aos leitores da obra infanto-juvenil de Monteiro Lobato é a inexistência das figuras materna e paterna na vida e nas aventuras dos personagens do Sítio do Picapau Amarelo. Esse foi um procedimento inteligentíssimo de Monteiro Lobato, que se preocupou em trabalhar o cérebro dos seus leitores, as crianças e os jovens, para a liberdade, principalmente a liberdade de pensamento, evidentemente com razão e lógica e com inteligência. Normalmente, as figuras materna e paterna têm procedimentos, com suas naturais ansiedades, de tendências restritivas, com excessos de alertas como atenção, não pode, cuidado, pensa bem, entre outros. Situações, por vezes, impedidoras de ações e de pensamentos. A figura da avó tem ações mais amenas, passa a mão na cabeça, chama a atenção também, mas de outro jeito, permitindo que as coisas sejam feitas. Novamente, assume importância a palavra liberdade, agora liberdade de ação, ou seja, fazer para aprender. Desse modo, em todos os seus livros aos leitores jovens, Monteiro Lobato ensina a pensar, possibilitando-lhes adquirir senso crítico aos seus procedimentos (auto-crítica) e aos procedimentos da sociedade
Como personagens principais, além da Emília e o do Visconde de Sabugosa, já citados, há a Dona Benta, o adulto com cultura clássica, a avó que dá conselhos e transmite conhecimentos, mas que aceita e participa das atividades dos jovens, às vezes fazendo alguns alertas, e a Tia Nastácia, o adulto com cultura popu¬lar, cheia de crendices, ambas mentoras da formação da inteligência do jovem leitor. Narizinho, de nome batismal Lúcia, e Pedrinho, jovens com a faixa etária para a qual Lobato estava escrevendo, faixa etária essa que oscila de seis a oitenta anos. Os dois são primos, Narizinho mora no Sítio, não tem mãe e nem pai e Pedrinho, passa todas as férias escolares no Sítio, mora em São Paulo com a mãe, dona Tonica; o pai de Pedrinho nunca é citado em nenhum dos livros infanto-juvenis de Lobato.
Dois dias antes de morrer, Lobato disse em entrevista à Rádio Record de São Paulo: "Estou arrependido de ter escrito tanto para os adultos, deveria ter escrito mais para as crianças. Perdi meu tempo escrevendo para gente grande, coisa que não vale a pena" . Apesar disso, deixou também 23 livros importantes escritos para adultos, os quais contêm contos maravilhosos (quatro livros), artigos, críticas, ensaios, sua luta pelo ferro e pelo petróleo, além de cartas e apenas um romance, ‘O Presidente Negro’, escrito em 1926, que contém uma premonição a um fato de agora, ou seja, o atual presidente dos Estados Unidos. Mesmo com toda essa bagagem literária, Monteiro Lobato não faz parte como " imortal" da Academia Brasileira de Letras, em última instância, porque não quis.
Todos devem ler os livros que Monteiro Lobato escreveu, crianças e adultos. As crianças e os jovens para aprenderem muita coisa, inclusive a formar um censo crítico positivo das coisas que nos cercam, e os adultos para voltarem a rever conceitos que, talvez, tenham esquecido ou que não tenham aprendido.
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* Pesquisador da vida e obra de Monteiro Lobato. marileo@sercomtel.com.br

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